Em todas as atividades humanas existem momentos de aparição de pessoas, de objetos, de fatos, etc., que nos obrigam a fazer uma leitura nova da maneira como o homem se relaciona com sua natureza e origem. Estes momentos não são necessariamente de ruptura ou renovação, mas trazem em si a perspectiva do novo e do revolucionário, e é desta forma e desta ótica que enxergo a produção artística da artista plástica Lidia Lisbôa.
Artista brasileira, afro descendente, Lidia Lisboa natural de Guaíra no Paraná, mudou-se para São Paulo em 1986 e iniciou um contato com o fazer artístico de forma intensa e autodidata. A primeira série de objetos que tive o prazer de ver da artista foi uma série de esculturas cerâmicas onde as formas resultantes me levaram à memória do campo, dos pastos, dos cupins que com suas formas construídas em curvas davam ao objeto uma personalidade única, mas totalmente remetida aos cupinzeiros que infestam nossos campos.
Curiosamente depois de alguns anos Lidia Lisbôa me apresentou uma série de “crochês”, construídos com tiras e restos de pano, criando planos multicoloridos, onde a interferência de objetos e miçangas fazia contraponto gerando uma massa harmônica e lírica, onde a lembrança da liturgia do candomblé, fica retidamente sugerida.
Estes “crochês” acabaram se mostrando peças construídas linearmente, assim como suas cerâmicas. Estas novas peças, portanto mantém o processo mental de aproximação com a realidade através de uma somatória de gestos, para construção de um todo.
Penso que Lidia Lisboa é uma artista que utiliza suas origens, seu feminismo e sua sensualidade para criar obras que nos seduzem, mas que nos impelem a pensar de forma construtiva um universo de formas inusitadas, mas que apesar das provocações nos confrontam e nos obriga a reler de forma brasileira e essencialmente feminina.
Gilberto Salvador, Pintor e Escultor – 2011
Nascida em 1970 em Guaíra, no Paraná, Lídia Lisbôa tem elaborado no seu trabalho de múltiplas facetas a sua experiência de mulher, mulher negra atenta à própria história e à história de outras mulheres, suas iguais. Nas tramas que a artista cria estão entretecidas várias narrativas que de maneira imanente, apresentam uma idéia de corpo poético que é também político, sensual e martirizado. São artefatos realizados em tecidos de origens diversas que, na sua confecção, acabam por configurar uma espécie de moto perpétuo , cujo motor é a própria artista que reelabora e ressignifica esses materiais em proporções que parecem encubar a seguinte numa linha contínua que imaginamos, contida somente, talvez, pela extinção da própria artista. É interessante considerar o quanto daqueles fazeres manuais apreendidos na infância , na observação do cotidiano proletário, humilde e doméstico (nem sempre paziguado, pacífico ou idílico) estão presentes no trabalho dessa e de outras artistas afro-brasileiras, que realizam em chave sensível operações de grande espessura poética, e que denunciam, por exemplo as violências que contra elas historicamente é perpetrada.
Claudinei Roberto da Silva, Curador e Artista – 2019